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23 de jul. de 2009

Crónica de Fernando da Costa - Pessoas decentes


Quando cumpria o seu segundo mandato, Ramalho Eanes viu ser-lhe apresentada pelo Governo uma lei especialmente congeminada contra si.

O texto impedia que o vencimento do Chefe do Estado fosse «acumulado com quaisquer pensões de reforma ou de sobrevivência» públicas que viesse a receber.
Sem hesitar, o visado promulgou-o, impedindo-se de auferir a aposentação de militar para a qual descontara durante toda a carreira.
O desconforto de tamanha injustiça levou-o,mais tarde, a entregar o caso aos tribunais que, há pouco, se pronunciaram a seu favor.
Como consequência, foram-lhe disponibilizadas as importâncias não pagas durante catorze anos,com retroactivos, num total de um milhão e trezentos mil euros.
Sem de novo hesitar, o beneficiado decidiu,porém, prescindir do benefício, que o não era pois tratava-se do cumprimento de direitos escamoteados e não aceitou o dinheiro.
Num país dobrado à pedincha, ao suborno, à corrupção, ao embuste, à traficância, à ganância,Ramalho Eanes ergueu-se e, altivo, desferiu uma esplendorosa bofetada de luva branca no videirismo,no arranjismo que o imergem, nos imergem por todos os lados.
As pessoas de bem logo o olharam empolgadas:
o seu gesto era-lhes uma luz de conforto, de ânimo em altura de extrema pungência cívica, de dolorosíssimo abandono social.
Antes dele só Natália Correia havia tido comportamento afim, quando se negou a subscrever um pedido de pensão por mérito intelectual que a secretaria da Cultura (sob a responsabilidade de Pedro Santana Lopes) acordara, ante a difícil situ -
ação económica da escritora, atribuir-lhe. «Não,não peço. Se o Estado português entender que a mereço», justificar-se-ia, «agradeço-a e aceito-a.
Mas pedi-la, não. Nunca!»
O silêncio caído sobre o gesto de Eanes (deveria,pelo seu simbolismo, ter aberto telejornais e primeiras páginas de periódicos) explica-se pela nossa recalcada má consciência que não suporta,de tão hipócrita, o espelho de semelhantes comportamentos.
“A política tem de ser feita respeitando uma moral, a moral da responsabilidade e, se possível,a moral da convicção”, dirá. Torna-se indispensável “preservar alguns dos valores de outrora, das utopias de outrora”.Quem o conhece não se surpreende com a sua decisão, pois as questões da honra, da integridade,foram-lhe sempre inamovíveis. Por elas, solitário e inteiro, se empenha, se joga, se acrescenta
- acrescentando os outros.
“Senti a marginalização e tentei viver”, confidenciará,“fora dela. Reagi como tímido, liderando”.
O acto do antigo Presidente («cujo carácter e probidade sobrelevam a calamidade moral que por aí se tornou comum», como escreveu numa das suas notáveis crónicas Baptista-Bastos)ganha repercussões salvíficas da nossa corrompida,pervertida ética.
Com a sua atitude, Eanes (que recusara já o bastão de Marechal) preservou um nível de dignidade decisivo para continuarmos a respeitar-nos, a acreditar-nos - condição imprescindível ao futuro dos que persistem em ser decentes
. 

Um comentário:

PrincipeTito disse...

Eu confio nos políticos...Sou louco !!!

Sarrazola "A terra que me viu nascer".